Sílaba Kalachakra

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O Atman

O Atman Supremo na visão de Dolpopa

Comumente se diz que o Budismo nega a ideia de um Atman, presente em outras escolas da filosofia indiana, como a Vedanta Advaita, devido ao ensinamento de anatman (não-ser), tão associado ao Dharma budista. A tradição Jonang-Zhalu, entranto, enfatiza que há sim um Atman existente, permanente e não-dual.

No livro O Dharma da Montanha, Dolpopa Sherab Gyaltsen diz que o Atman, que é semelhante à Natureza-Buddha (Tathagatagarbha) é a própria Realidade Última, permanente, quiescente, indestrutível, o Vazio de Outro (Shentong), sem início, nem fim, a causa que possibilita a iluminação e o fruto da Iluminação. Ele também enfatiza que o Atman não deve ser igualado ao “eu”, nem aos fenômenos, uma vez que estes carecem de existência inerente. O atman também não deve ser confundido com a mente, uma vez que é a Realidade última e não-dual, além dos limites do continuum mental (citta/ alaya-vijnana).

Dolpopa, na mesma obra, se utiliza de diversas citações do Mahaparinirvana Sutra, dentre outros sutras e tantras, para corroborar tal ensinamento, como se pode ver pelas passagens selecionadas abaixo:

“Não composto é o Grande Nirvana; permamente é o Nirvana. Permanente é Atman; Atman é completamente puro. O completamente puro é chamado de ‘Bem-Aventurança’. Permanente, Bem-Aventurado, Atman e completamente puro é o Tathagata.
...Atman significa Tathagatagarbha. A existência da Natureza-Buddha em todos os seres sencientes é Atman.
A Natureza-Buddha, por sua própria natureza, não pode ser transformada em não-existente; não é algo que se torna não-existente. Apenas a natureza inerente chamada “Atman” é o Tathagatagarbha secreto; sendo assim, essa base secreta não pode ser destruída, nem tornada não-existente de modo algum.”

É muito importante ressaltar novamente que o termo Atman, frequentemente mal traduzido como “eu” ou “ego”, nesse caso, não se refere a uma existência individual, nem que os fenômenos e o “eu” constituam seres inerentemente existentes. Pelo contrário, o ensinamento se refere ao Ser não-dual, presente em tudo, sem distinção, que não percebemos por estar obscurecido pelas perturbações mentais (kleshavaranas e jneyavaranas), incluindo a ignorância (avidya) de se imputar existência inerente ao eu e aos fenômenos.

Somente um Buddha, como expresso no texto do Dolpopa, pode perceber de forma direta tal Realidade Última, portanto, somente após percorrer o longo caminho que leva à cessação das perturbações, que inclui as bases do Mahayana – como a renúncia, a compreensão do vazio (shunyata) e a geração da mente altruísta (bodhiccita), é que se pode alcançar tal estado.  

“....Meditem sobre os fenômenos como vazios de existência inerente. Quando tiverem meditado dessa forma, a ideia de “eu” será abandonada.”
“Tendo ensinado o vazio de existência inerente para afastá-los das práticas mundanas, agora ensino-lhes: ‘O Tathagatagarbha existe’.” (Mahaparinirvana Sutra – citado por Dolpopa Sherab Gyaltsen em o Dharma da Montanha).

Dolpopa Sherab Gyaltsen (1292-1361)

Texto escrito por Bruno Carlucci, 2016.