Sílaba Kalachakra

Sílaba Kalachakra

A Tradição Jonang-Zhalu



Este núcleo do Dharma no Tibet tomou forma no século XIV, derivado do fluxo de ensinamentos Kadampa-Sakya e impulsionado pelo lama Yontan Gyatso, que foi guru de Dolpopa e de Buston.


A escola kadampa (de Atisha, Drontompa e Abhayakirti, dentre outros) é a difusora das ‘novas traduções’ da filosofia mahayana e do tantra, rejeitando as traduções nyingma. Um mosteiro chamado Sakya deu início a um novo grupo (a partir de Sanchen Kunga, Dragpa Gyaltsen e Sakya Pandit). E o lama Phagspa Lodro, sobrinho e discípulo de Sakya Pandit, foi o transmissor dessa linhagem Kadampa-Sakya para o lama Yontan Gyatso, que vivia no mosteiro Jonang e foi nomeado abade.


Lama Dolpopa foi o sucessor de Yontan Gyatso no grupo Jonang e Buston se tornou o abade de um pequeno mosteiro de nome Zhalu. Os ensinamentos eram os mesmos, sendo que Dolpopa e Buston tiveram constante contato e fizeram retiros tântricos juntos.


Essa linhagem é o que chamamos de ‘budismo jonang-zhalu’ e é herdeira do budismo derivado do núcleo original das escolas Kadampa e Sakya, que através de Sakya Pandit e Phagspa Lodro, chegou a Yontan Gyatso, Dolpopa e Buston. É uma tradição que vai preservar e enfatizar o tantra Kalachakra (linhagens DRO e RA) e sua conexão com o tratado “Uttaratantra” do Bodhisattva Maitreya, gerando o fundamento para a filosofia Shentong.


Os temas centrais dos ensinamentos de Yontan Gyatso ficaram conhecidos como visão Shentong. Trata-se de uma abordagem derivada dos sutras Tathagatagarbha, do Uttaratantra de Maitreya e do tantras Kalachakra e Heruka. O termo Shentong (Vazio de Outro) se distingue de Rangtong (a tradicional abordagem madhyamika do Vazio).


A tradição Jonang-Zhalu realça a ‘natureza-buddha primordial’, o Dharmakaya, que é a “Realidade Última” imaculada e absoluta e que não é vazia de existência inerente. Além do ‘Vazio’(Shunya) há o ‘Adi-Buddha’. A filosofia budista mahayana é revisada, tendo pontos de contato com a tradição dos Upanishads da Índia e com o Shivaismo Advaita de Kashmir.



O Mosteiro Jonang

Stupa Jonang
                                                       



O núcleo Jonang era do sul do Tibete (região de Tsang) e ficava perto da cidade de Shigatse. O local que se tornou o ponto focal da escola Jonang foi inicialmente criado pelo lama sakya Kunpang Tsondru (1243-1313) e organizado pelo lama Gyalwa Yeshe, que assumiu a função de abade em 1313. O terceiro nome de destaque é Yontan Gyatso (também conhecido como Shangton Chojey), que deu a base filosófica e tântrica para a escola Jonang, com a abordagem Shentong (enfatizando que a ‘verdade última’ não é vazia de si mesma).

Lama Yontan recebeu de Phagspa Lodro a transmissão do Heruka tantra e do Kalachakra tantra e também a filosofia do budismo Yogacara e dos sutras Tathagatagarbha (com o tema da ‘natureza-buddha’ ou Dharmata, a base da realidade presente em todos os seres). Ele foi guru de Dolpopa Sherab Gyaltsen e de Buston. Lama Dolpopa foi seu principal discípulo e sucessor como abade do mosteiro Jonang, aos 35 anos.


Dolpopa ensinou com intensidade a visão Shentong em Jonang e organizou uma equipe a fim de traduzir, do sânscrito para o tibetano, textos da escola Yogacara e do Kalachakra. Dentre os que atuaram junto a Dolpopa, destacam-se: Mati Panchen Lodro, Choley Namgyal e Yungdon Palwa (guru de Thogsmed Zangpo, da tradição Lojong).


Lama Dolpopa ainda em vida treinou e nomeou seus sucessores na função de abade da Jonang – os três abades após Dolpopa foram Lotsava Lodro, Choley Namgyal e Gonchok Gyaltsen. Ao final de sua vida ele viajava ensinando a tradição Jonang, fazia retiros, além de ir para o mosteiro Zhalu trabalhar com Buston na edição do cânone budista e praticar o tantra superior (especialmente o Kalachakra).


O mosteiro Jonang se tornou a escola Jonang, que enfatizou os tratados do Bodhisattva Maitreya e o tantra Kalachakra, ponto de partida para a filosofia Shentong (o Vazio de Outro). Shentong é afirmação de que o ‘vazio’ (shunya) da visão madhyamika não é a realidade última. A abordagem mahayana do ‘vazio’ (shunyata), derivada da escola madhyamika, é correta e importante, mas além desse vazio, há o Dharmakaya, a natureza-buddha potencial, presente em todos os seres. E para Dolpopa esta é a filosofia mahayana definitiva.




O Mosteiro Zhalu
       
Mosteiro Zhalu
                                            



Este mosteiro (Zhalu / Shalu) é um pequeno centro fundado na região de Nyangro em 1040 no contexto Kadampa, ao sul do Tibete, na região de Tsang. No ano de 1329 foi parcialmente destruído devido a um terremoto, sendo reconstruído em 1333, com o apoio do imperador da Mongólia e da família Kushang, ligada aos líderes budistas da família sakya Khon. Lama Buston foi o 11º abade de Zhalu e um grande estudioso do Dharma (filósofo, historiador, yogue tântrico, editor do cânone budista).


A intensa atuação de Buston Rinchen atraiu atenção para Zhalu, sendo um ponto focal do genuíno Dharma, especialmente com suas edições revisadas dos textos tântricos, depurados de qualquer influência nyingma. Estes textos foram a fonte principal para Tsongkhapa, o fundador da escola gelugpa. Além da edição do Kanjur e do Tanjur, foram pintadas muitas mandalas (baseadas na tradição indiana e Kadampa-Sakya).


O mosteiro foi um dos mais importantes centros de estudos do Dharma no Tibete. Dolpopa, abade de Jonang, fez muitas visitas a Zhalu, onde recebeu transmissões de Buston e fizeram estudos do tantra Kalachakra juntos. Os dois lamas eram amigos e co-discípulos (tinham um mesmo guru raiz). Buston também enfatizou a visão Shentong e escreveu textos sobre a ‘natureza-buddha’, a semente para a iluminação, presente em todos os seres.


Texto de Alberto Brum, 2016.