Sílaba Kalachakra

Sílaba Kalachakra

Vegetarianismo

O vegetarianismo, ou seja, não comer nenhum tipo de carne (nem peixe) é enfatizado pela tradição Jonang-Zhalu. Algo que deveria ser lógico e facilmente asseverado por budistas mundo afora, considerando-se que a compaixão por todos os seres, a preservação da vida e a busca por eliminar ou ao menos não infligir o sofrimento são pontos centrais da doutrina budista, bem como a influência da ética jainista e o fato de o budismo ter nascido na Índia, onde o vegetarianismo sempre foi muito difundido em diversas escolas do hinduísmo (além do próprio jainismo).

 No entanto, devido a questões externas ao budismo, como fatores culturais, sociais e geográficos de países onde o Dharma se instalou, a adoção do vegetarianismo nem sempre foi possível para todos. Os grandes lamas, como Atisha, Dolpopa e Tsongkhapa, certamente foram vegetarianos, uma vez que o vegetarianismo, assim como a abstenção do álcool, era enfatizado pelos núcleos originais da Kadampa, Sakya, Jonang-Zhalu e Gelugpa, seria difícil para toda a população do Tibete medieval se tornar completamente vegetariana devido à pobreza e às condições climáticas da região.

Obviamente não se espera que alguém morra de fome ou comprometa a própria saúde se não é possível adotar o vegetarianismo na região em que vive, mas devido ao apego à carne que muitas pessoas têm, inclusive muitos monges e lamas, tenta-se justificar de várias formas o consumo de tal alimento como sendo o mais adequado, por meio das mais diversas falácias, mesmo em locais onde o acesso a uma alimentação vegetariana é perfeitamente possível.

Pois o vegetarianismo é inequivocamente defendido em textos Mahayana do Terceiro Giro, tidos pela tradição Jonang-Zhalu como fontes do ensinamento mais elevado do Dharma budista, como no Mahaparinirvana Sutra (Sutra do Grande Nirvana Último).

Num trecho deste Sutra há um diálogo entre Maha-Kasyapaika Gotra e o Buddha sobre essa questão, em que se diz:

Então Maha-Kasyapaika-gotra perguntou: “Se é muito importante defender que comer  carne é algo impróprio,  não seria errado dar carne a quem não quer comer carne?  

[O Buddha respondeu:] “Excelente, nobre discípulo, excelente! Entendeste a minha intenção. Aquele que protege o Dharma autêntico não deve fazer isso. Nobre discípulo, doravante não permito que os meus sravakas [discípulos ouvintes] comam carne. Se  eu disse que [o praticante deve] ver a comida dada por esmola como a carne de seu  próprio  filho, como eu poderia permitir que se coma carne? Eu ensino que comer carne elimina a  Grande Bondade Amorosa [maha-maitri].”


"Eu não disse que carne e peixe são alimentos benéficos, então ainda mais indesejável é o apego a alimentos com carne!..."

“...Se uma pessoa come alho, todo mundo ao redor se sente desconfortável, seja em meio a uma     multidão de muitas pessoas ou de muitas criaturas, todos percebem o que a pessoa comeu.

Da mesma forma, todas as criaturas podem perceber quando uma pessoa come carne e,  quando sentem o odor, ficam aterrorizadas pelo medo da morte. Por onde quer que essa pessoa perambule, os seres da água ou da terra seca ou do céu ficam assustados...Por esses motivos que os Bodhisattva-Mahasattvas não comem carne. 
                                                                          *** 

Neste mesmo trecho, o Sutra também derruba o mito de que praticantes budistas devam necessariamente aceitar toda e qualquer comida que lhes é oferecida, seja como doação ou em rituais onde erroneamente se oferece alimentos à base de carne:


“Ó Abençoado, o que deve ser feito por monges, monjas, upasakas e upasikas que dependem do que é oferecido a eles para purificar as doações de comida que contenham carne em locais onde a comida não foi averiguada?”


“Nobre discípulo, eu ensinei que não há contradição com o vinaya [código monástico] se eles lavarem a comida sem carne com água e então comerem-na. Se parecer que a comida contém  carne, ela deve ser rejeitada...Digo que mesmo os restos de carne, peixe, pescados, aves, cascos [de animais] constituem uma infração. Agora, nesta ocasião, eu ensino o dano causado pelo consumo de carne. Sendo este o tempo em que alcançarei o Parinirvana (Nirvana Último),  esta é uma declaração abrangente.”



Representação indiana do Parinirvana do Buddha Shakyamuni


Texto Escrito e trechos traduzidos por Bruno Carlucci, 2017.


Referências:

Dolpopa Sherab Gyaltsen. Mountain doctrine:  Tibet's fundamental treatise on other-emptiness and the Buddha-matrix. Ithaca, NY: Snow Lion

The Mahayana Mahaparinirvana Sutra. Traduzido para o inglês por Kosho Yamamoto, 1973 (Taisho Tripitaka, vol. 12, n. 374).